domingo, 5 de dezembro de 2010

O bicho-preguiça e o ambientalista

- Hum? Quem... Quem é você?
- Olá bichinho, prazer, sou Paulo. Vim tirar umas fotos suas, se importa?
- Claro que me importo! Eu estava dormindo.
- Não era intenção minha te acordar. Só quero tirar umas fotos suas pendurado pra publicar no meu blog.
- Ok, aqui vai três coisas que você precisa saber, humano: Primeiro, esta é a minha casa. Segundo, meu nome é Jeferson, não bichinho. Terceiro, você gostaria que eu fosse até sua casa tirar umas fotos de você na cama? Pensando bem, esqueça que mencionei essa última parte.
- Eu sei exatamente como se sente. Nós, os homens, invadimos seu habitat roubar o que é seu, destruir o que é seu, não é justo.
- Não, não é. Quando pisam na nossa comida é ainda pior.
- Exatamente.
- Não, sério, você ta esmagando as minhas frutas.
- Oh. Desculpa.
- Por quê você continua aqui?
- Tem outra coisa que gostaria de perguntar.
- Não!
- Você nem ouviu o que tenho pra falar.
- A resposta é não.
- É a minha mulher. Ela gostaria de te conhecer. Topa um jantarzinho lá em casa?
- Ahm, depende.
- Faço qualquer coisa pra te agradar.
- O que vai ter pra janta?
- Eu realmente não faço idéia. Tenho que ligar pra minha mulher perguntando.
- Eu espero.
- Um minuto. Alô, querida? É o Paulo. Então, to aqui com ele. É, no galho. Pendurados nos galhos! Ha ha ha ha. Então, ele quer saber o que tem pra janta. - Sopa. -
- Sopa? Sua esposa prepara sopa pras pessoas que vão comer na sua casa? Esqueça, prefiro ficar com minhas frutas.
- Ahm... amor? Guarda a sopa na geladeira. Calma, não é bem isso. Ele quer... Ele prefere outra coisa. Ta. Vou perguntar. - O que você quer comer? -
- Eu? Eu não sei. Eu como frutas e plantas o dia todo. Isso é uma floresta, não tenho muitas opções no cardápio, você vê? Que tal me surpreender?
- Querida? Ele come plantas o dia todo, prepare outra coisa que não envolva planta. Ta. Beijo.
- E ai?
- Falou que vai preparar algo cremoso.
- Cremoso? Ela vai fazer creme?
- Eu não sei. Mas garanto que será formidável. Tem um creme que ela faz, francês...
- Creme é sopa.
- Creme não é sopa.
- Claro que creme é sopa. Creme é uma sopa mais cremosa.
- Isso não faz sentido.
- Por quê não fazem algo suculento? Vocês são vegetarianos?
- Somos e com muito orgulho. Fazemos o possível pra preservar a vida...
- Jesus Cristo, eu sabia! Eu como mato o tempo todo nessa maldita selva! Eu não posso sair daqui porque provavelmente fariam casaco da minha cútis! Você vem aqui, sobe na minha casa, pisa no meu jantar, convida pra comer coisas que eu já como e ainda quer tirar fotos minhas?
- Se você quiser posso ligar pra minha mulher de novo e cancelar o jantar.
- Não, olha, desculpa. Eu vou com você. Eu não recebo muitas visitas, se recebo são de tratores e lenhadores cantores. Não queria ofender você e nem sua mulher. É muita pressão, você precisa entender.
- Você não ofendeu, não se preocupe. Vou ligar pra ela fazer outra coisa menos aguada.
- Menos aguada seria de muita gentileza.
- Amor? Sou eu outra vez. Então, esqueça o jantar em casa, tive uma idéia. Vamos pra um restaurante! Eu sei querida, eu sei do esforço que você fez pra... Ta. Ta. Eu falo. Ta. Tchau.
- Que foi?
- Ela mandou você tomar no cu.
- Oh. Ok.
- É.
- Então...
- Bom, boa sorte, Jeferson. Desculpa ter pisado nas suas frutas e tal, mas...
- Sem problema.
- A gente se vê.
- Sim, sim. Tchau.

...

- Puta.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Tempos modernos: não é uma loja de pesca

- Bom dia. Em que posso ajudá-lo, senhor?
- Bom dia. Estou procurando por uma vara de carbono.
- Desculpe senhor. Nós não vendemos isso aqui.
- Estão em falta?
- Não. Só não vendemos varas.
- Isso é uma loja de pesca, né?
- Não senhor. Nós só vendemos peixe.
- Peixe?
- Peixe. Todos os tipos. Está interessado em algum?
- Eu não quero comprar peixe. Eu vim pra essa cidade pra pescar.
- Mas isso é tolice.
- Tolice? E o que você faz aqui é o que então?
- Nós vendemos peixe. Poupa o tempo de quem vem pra cidade.
- E qual a razão de alguém querer comprar peixe numa loja de pesca?
- É aí que o senhor se engana. Nós não somos uma loja de pesca. Nós vendemos peixe. Praticidade é tudo, esse é o nosso lema. Só não registramos ele ainda.
- Isso é que é uma tolice! Como vocês pescam os peixes?
- Desculpe senhor, isso é um segredo da loja.
- Alguém precisa pescar os peixes! Eu não conheço outro método além de usar uma vara.
- Você tem alguma coisa que é bom e as pessoas te admiram por isso?
- Bem, sim, tenho.
- E no que o senhor é bom?
- Ahm... Sou bom em...
- Vamos lá, não seja tímido.
- Ta bom, eu sou bom em tocar flauta enquanto ando de bicicleta.
- Que impressionante senhor. Isso é muito impressionante.
- Ora, obrigado.
- E você conta para as pessoas como você faz?
- Não. Nem sei se preciso. É só ver. Deve ser um dom, acho.
- Exatamente senhor. É o que fazemos aqui. Não queremos contar pras pessoas como funciona o nosso método. É só um dom.
- Acho que você ta certo.
- Então, você gostaria de um peixe?
- Eu gostaria de uma linha.
- Nós não vendemos linha.
- Imaginei.
- Vendemos peixe a preço de banana. Seja de água salgada ou doce.
- Quanto sai a carpa?
- Temos muitas carpas de tamanhos e cores diferentes. A mais barata sai por trezentos.
- Trezentos? Trezentos reais?
- Sim, reais. A última vez que verifiquei não moramos na Alemanha.
- Trezentos reais por uma carpa? E quanto ela pesa pra custar tudo isso?
- Ela é gorda.
- Gorda não é um peso.
- Já segurou algo tão gordo que você falou "Isso é pesado"?
- Já...
- Então?
- Mas isso é... Olha, esqueça! Eu não vou pagar trezentos reais por um peixe! Eu nunca vi uma banana ser tão cara assim também! Preço de banana... Ridículo! Vou denunciar vocês pra autoridade local.
- E por qual motivo você faria isso, senhor?
- Isso tudo é uma mentira! Sua loja é uma mentira!
- Não, não é. Antes de você entrar pela porta você não leu o que estava pendurado?
- Li...
- E o que dizia na placa?
- "Não é uma mentira".
- Fico feliz que tenha uma boa memória, senhor.
- É, você me pegou de novo.
- Você me parece um ótimo sujeito, que tal levar uma latinha de minhocas de recordação?
- E pra que eu levaria isso? É nojento.
- Ora, ora, ora, não tinha a necessidade de dizer tal coisa.
- Me desculpa...
- Você não gosta de pescar?
- Adoro. Mas jamais usaria minhocas!
- Ah não? E o que você recomenda?
- O que todo mundo usa, anzol!
- Hum, não me parece muito seguro.
- E desde quando pescar com minhocas funciona?
- Como você sabe que não funciona? Já testou?
- Isso é pura coisa de desenho animado.
- Eu tenho uma loja, não tenho?
- Tem... Espere, quer dizer que...
- Ups! Segredo revelado. Ha ha ha!
- Você usa minhoca pra pescar seus peixes?
- Não reconheço esse termo.
- Que termo?
- Que você falou.
- Pescar?
- Usa.
- Todos da cidade são como você?
- Agora que você sabe o segredo, espero que a cidade e o resto do mundo não precisa saber como meu negócio funciona.
- Eu não vim de fora pra falir o seu negócio.
- Parece que conquistei um novo freguês.
- Eu não diria isso.
- Posso perguntar uma coisa?
- Sobre?
- Posso ver você tocando flauta?
- Ahm... Se você tiver uma aí atrás do balcão.
- Se tenho? Você trouxe sua bicicleta?
- Se trouxe? Ha ha ha! Vamos lá pegar no meu carro!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O cara e uma garota no bar

O cara está esperando pela garota em frente a catraca de metrô. É uma tarde de domingo e a estação se encontra em pouco agito.
Alguns minutos a mais se passam e a garota finalmente chega. Eles se cumprimentam e começam a andar pra fora da estação.

- Esperou muito?
- Não, não. Tranquilo. Me diverti olhando para as pessoas que passavam e criando apelidos pra elas.
- Ah, mas hoje não tem tanta gente esquisita como tem no sábado.
- Verdade. Sexta e sábado isso aqui vira um circo. Hoje é domingo, elas devem estar dormindo agora. Então, temos muitas opções, podemos ir pra lá ou pro outro lado. Pra cá tem mais bares.
- Então vamos pra onde tem mais bar.
- Não imaginava que seguia esse pensamento. Desde aquela primeira conversa no ponto pensei que meninas do vôlei abominassem o álcool.
- Eu não abomino o álcool. Só não bebo muito.
- Você ta tentando me agradar indo pra onde tem mais bares? Você não precisa fazer isso.
- Não to fazendo isso. E você nem parece o tipo de cara que precisa ser agradado o tempo todo...
- Mas eu gosto de ser agradado!
- Hoje vou beber só um pouquinho. Não gosto muito de cerveja, mas domingo tem cara de que deixa elas mais gostosas.
- Os butecos ficariam felizes se todos seguissem essa linha de raciocínio. Pena que temos cristãos que acham que domingo pede por igreja. Aliás, você é religiosa ou...?
- Não, não. Quer dizer, eu acredito em Deus, minha família é religiosa e tal, mas não vou pra igreja aos domingos.
- Ainda bem. Suei frio aqui. Vamo ficar aqui? É mais sossegado.
- Pode ser.

O cara e a garota sentam numa mesa no lado de fora do boteco. Ele pede por uma cerveja e dois copos.

- Tem treino amanha?
- Tenho. Todo dia.
- É treino ou você dá aula?
- Treino. Participo de alguns eventos esportívos também. Nada muito grande, um dos meus sonhos é participar das olimpíadas. Mas precisa ter os contatos, passar por todo um setor burocrático, conhecer gente importante dentro dos times de vôlei, clubes.
- Normal. Como em todo lugar você precisa ter contato. E não é qualquer contato, tem que ser com os fodidos mesmo.
- É. O meu namorado...

Neste instante o brilho nos olhos do cara se extingue. Até o tom rosado de sua pele se torna um cinza melancólico. A notícia caiu como uma bomba. Ela continua:

- ...tem alguns contatinhos dentro do clube Banespa e tem me ajudado um pouco. Ele tem um amigo ou um parente que é amigo do Zé Roberto, sabe? Técnico da seleção feminina? Ele apareceu algumas vezes no clube, infelizmente eu não tava em nenhum dia que ele foi. Pura falta de sorte.
- Mas se o seu namorado conhece um cara que conhece o técnico, então a questão não é trazer ele até você, e sim o contrário. Você é que tem que ir até o cara.
- Sim, sim, mas o cara vive viajando com a seleção. O dia em que ele ou a seleção feminina travar alguns torneios e treinos por aqui tentarei me aproximar dele e das meninas. Elas são fantásticas.
- Legal. Seu namorado sabe que você ta aqui?
- Sabe. Quer dizer, não com outro cara. Ele sabe que saí de casa, to pela redondeza, mas não com você. Falei que ia sair com uma amiga.
- Que malandragem. Essas pessoas que namoram tão sempre escondendo coisas um dos outros né?
- Se eu falasse que sairia contigo hoje ele viria correndo pra minha casa me impedir disso! Ele é muito ciumento.
- É o preço que se paga em namorar uma garota que faz vôlei. Elas são altas e fortes, cobiçadas por qualquer homem, casado ou solteiro. Namorar com uma dessas deve ser difícil. Vocês não devem saber como se defender de outro galã.
- Do que você ta falando?
- Eu não sei, não me escute. Sou idiota. Como vocês se conheceram?
- Ele faz futebol de salão lá no clube.
- Ah ta. Pensei que tinham se encontrado no chuveiro do clube ou algo assim. Não é unissex, é?
- Não, não.
- Que pena. Estava pensando em fazer algo lá que me deixasse suar bastante. Como bocha. Eba! Acertei a bolinha. Hora do banho com as meninas do vôlei! Mas então, como foi esse encontro?
- Teve um dia que o jogo acabou tarde e a galera dos esportes decidiram ir pras arquibancadas. Foi algo meio surreal, não sei quem bolou isso, os meninos do futebol de salão e as meninas do vôlei. Uma festinha entre nós, uma quase festinha. Não teve bebida, violão, nem nada. Apenas um encontro para os rapazes e as garotas se conhecerem. Foi engraçado.
- Deve ter sido. Vamos mais uma? Saideira?
- Pode ser.

Eles bebem mais duas garrafas. O cara paga duas e ela uma. No final eles sobem conversando até a estação que se encontraram no começo da tarde. O cara deixa ela na catraca e ele retorna pra rua pegar seu ônibus de volta pra casa.

terça-feira, 25 de maio de 2010

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Tempos Modernos: tempo de guerra

- E agora as perguntas.
- Senhor Presidente! Senhor Presidente!
- Sim, o segundo caucasiano da direita pra esquerda.
- Obrigado senhor. O que todo mundo quer saber é, com a renúncia do vice-presidente, qual será sua escolha pra cadeira?
- Eu irei para a feira, ver alguns tomates, apalparei, sentir qual é o mais maduro. Assim que resolver qual é o mais cheiroso, levarei pra casa preparar um bom molho.
- Senhor Presidente! Senhor Presidente!
- Você, a negra de uso exagerado de batom na boca. Você é preta, não tente desvirtuar a atenção da sua pele.
- Senhor Presidente, a opinião pública indica que o senhor declarou guerra só pelo interesse de dominar um país rico em petróleo. O que levou seu gabinete a tomar essa decisão de ir pra guerra?
- Ás vezes minha querida açoitada, quando você esquenta a comida no microondas e vê que não tem mais batata-palha no armarinho, o que você faz? Vai até as despesas pra ver se ainda resta um pacote. Quando não tem, qual a sua reação? Fica chateado e come aquela refeição pós microondas ou sai pra adquirir mais batatas? É claro que se você sair corre o risco da comida esfriar, porém, se você for como eu, valerá a pena arriscar. Você sabe que se não misturar batatinhas naquele prato a comida não vai ficar tão saborosa. Você estará triste com a falta da batata-palha. Lembrem-se, as despesas precisam estar sempre cheias. Esse é o trabalho delas!
- Senhor Presidente! Senhor Presidente!
- Manda japa.
- Então é mais do que só petróleo?
- O cozido está ficando quente e cheira a quase pronto. Você, Alice Goon.
- Quantas tropas ainda espera mandar até o final do semestre?
- Existem dez pessoas na casa da minha família. Se eles quiserem preparar um bom omelete que encha o estômago de todo mundo precisarão de no mínimo quinze ovos. Lembram da batata? Quando to com a minha família nós fazemos batata frita pra juntar no omelete. Quantas batatas fritas nós fritamos? Meu pai é bom nisso, ele sabe preparar um bom omelete com batata frita. Boa mistura. Não pensem que somos um bando de gordos! Nós sabemos da fome mundial. Mas quem pensa em fome mundial quando se tem omelete e batata frita na sua mesa de casa, certo?
- Senhor Presidente! Senhor Presidente!
- Vou escolher o gordinho dessa vez. Você é gordo, pergunte.
- Senhor Presidente, você não tem medo da economia do país se desvalorizar com o ataque? A guerra trará algum benefício pro nosso país sem que isso afete totalmente a nossa relação com o resto do mundo? Isso aliás parece inevitável.
- Servir uma salada de palmito antes do linguado é um preparo pro corpo se adaptar pelo o que está por vir. Neste caso, o peixe. Saladas são leves, uma de palmito então é apetitosa. Vicia. Você até esquece que ainda tem mais coisa depois dela. Quando chega o peixe você se assusta, mas digere porque no final das contas ficará satisfeito com tudo o que servimos. O importante é deixar o linguado de molho enquanto o palmito faz sua parte. Não é fácil preparar um bom peixe.
- Senhor Presidente! Senhor Presidente!
- Amigos, amigos! O bufê será servido no final do corredor. Não deixem de experimentar o suflê especialmente preparado pelo nosso Secretário da Defesa.
- Senhor Presidente?
- Última pergunta, gordinho.
- Obrigado senhor. Só gostaria de saber se tem como compartilhar a receita daquele pudim servido naquela última conferência sobre corrupção.
- Claro meu amigo porpeta! Não há nenhum segredo nos meus pudins.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O cara e uma garota no celular

O cara está deitado em sua cama enrolado no edredom sem conseguir dormir. Ele pensa sobre nada mais que sua vida, o que poderia ter feito de errado (e que fez) para não cometer de novo. Mas pro cara não importa como melhorar sua atitude, toda vez vai chegar na mesma conclusão. Ele sempre vai cometer errros. Erros? Depende do ponto de vista, pensa ele.

Ele olha pro celular, três horas da manhã. Falta pouco para os pássaros chatos começarem a cantar na sua janela. O cara larga o celular na mesinha ao lado da cama e tenta dormir. O celular toca. Número estranho, o cara atende:

- Alô?

É uma garota no outro lado da linha:

- Oi.
- Oi, quem é?
- Sou eu. A garota do ponto de ônibus. Lembra?
- Ah! Oi! Tudo bem? Eu... eu esqueci que tinha passado o número.
- Ah é? Tinha esquecido de mim então? Que bonito hein mocinho.
- Não, não é isso. Você não entendeu, é que faz tanto tempo que passei o meu número. Pensei que nunca ia me ligar.
- Ah, pois é. Liguei. Te acordei?
- Na verdade não. Estava tentando dormir...
- Hummm então incomodei seu sono. Puxa, não acerto uma.
- Não, não. Não é isso. Desculpa.
- Relaxa. Só to brincando. E ai, o que me conta mocinho?
- Que que eu conto? To tentando dormir. Hum, que mais... Você não dorme aliás?
- Durmo sim.
- Você tá na cama?
- Ha ha ha ha. Pergunta estranha. Sim, to.
- Você liga pra mim ás três da manhã e diz que eu sou o estranho? Pelo menos temos algo em comum.
- O quê? Somos dois estranhos?
- Não. Também estamos na cama.
- Ahm tá.
- Por que resolveu me ligar só agora? Era o único horário disponível?
- Isso. E também porque eu adoro ligar pras pessoas de madrugada e acordá-las.
- É, mas sinto desapontá-la, você não me acordou.
- Droga.
- Eu gosto quando ligam pra mim de madrugada. Ainda mais quando é mulher. Quando homem faz esse tipo de coisa elas praticamente detestam.
- Depende do cara.
- É, tá certa. Depende do cara.
- ...
- Que foi? Ficou quieta.
- Nada ora.
- Ei! Agora tenho seu número. Viu o que fez? Agora vou salvar o seu celular.
- Pode salvar. Acharia até chato se você não salvasse.
- Agora quem vai te incomodar na madrugada vai ser eu. Tá vendo?
- Oh que medo.
- Ei, vai fazer algo essa semana?
- To lotada de coisas pra fazer. Não tá vendo que o único horário disponível pra falar contigo é ás quatro da matina?
- É verdade. Espero então um final de semana? Pode ser?
- Veremos. Vou dormir agora. Pelo menos tentar que nem você.
- Legal ter ligado. Estava esperando, pensei que não faria isso.
- Por que pensou isso?
- Sei lá. Pensei que meu celular serviria de chacota. Trotes e tudo mais.
- Você acha que tenho cara de que faz trotes?
- Depende. Você aborda muitos caras no ponto ônibus pedindo seus números de celular pra fazer trotes com suas amigas maléficas do clube?
- Depende do cara. Se ele tem cara de bobão sem dúvida alguma vale a pena tentar fazer isso.
- Putz! Isso indica que não fui o primeiro.
- E nem será o último.
- Vou te denunciar.
- Pra quem?
- Pros... pro departamento-de-caras-que-são-engananos-por-minas-em-ponto-de-onibus.
- Nossa. Devem ser sérios.
- E são. Sem pena para as criminosas.
- Foi uma boa ligação hein? Me chamou de estranha, estraga prazeres de sono, criminosa... que mais?
- Pra primeira ligação já está bão.
- Ha ha. Tá então. Vou dormir. Té mais moço.
- Té mais moça. Ligue mais.
- Tá. Se cuida.
- Opa. Me cuidarei. Beijo.
- Beijo, tchau.

O cara desliga o celular e salva o número. Ele não sabe o nome dela então guarda na agenda como "Mina do ponto". Ele coloca o celular ao lado da cama e tenta dormir, pelo menos desta vez com um sorriso no rosto.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Se a montanha não vai até Maomé, Maomé liga pra montanha

- Alô.
- Alô? Montanha?
- É.
- É o Maomé. Beleza?
- Certinho, e ai?
- Beleza, beleza.
- Legal.
- Então...
- O quê?
- Onde você tá?
- Onde eu to?
- É. Só pra saber.
- To em casa.
- Hum. Não se esqueceu de nada não?
- Se eu não esqueci de nada? Do que você tá falando?
- Tipo, lembra do combinado? Sempre no sétimo dia...
- Ah merda. Desculpa, eu fiquei doente...
- Desculpa o cacete! Fiquei esperando uma hora, cara! Uma hora!
- Eu sei, eu sei. Desculpa. Foi a gripe e...
- A Rebeca ta aí?
- Quê? Rebeca? Não, ela não tá aqui.
- Eu sei que vocês tem saido juntos.
- Onde tirou isso? Tá maluco?
- Eu sei de tudo! Você deixa ela andar em cima de você com aquele jumento que o marido dela deu pra ela!
- Não envolva a Rebeca na história, ela não tem nada a ver com isso.
- Você é doente, cara. Doente! Ela é casada!
- E dai porra? Deixo ela andar em cima de mim mesmo! Foda-se! Ela gosta, eu gosto!
- Eu sabia!
- Que você quer Maomé? Meu ouvido não é pinico pra ouvir suas merdas!
- Eu pensei que a gente tinha algo rolando aqui.
- É... sobre isso... Esqueça tudo!
- Esquecer? Eu vou é contar pra todo mundo!
- Vai contar o quê? Você não tem nada contra mim!
- Ah é é? Não tenho né? Todo o vale vai saber do Maomé e a montanha!
- Não seja uma dessas putinhas cretinas! Me poupe dos seus draminhas vá!
- Vai se ferrar! Rochedo insensível!
- Eu sou montanha, caralho! Montanha!
- ...
- Não faça silêncio comigo!
- Eu sinto sua falta...
- É, eu sei.
- Fiquei com ciúmes, fui um estúpido ligando. Desculpa.
- Maomé bobo. Eu gosto de você, e você sabe.
- Eu também gosto.
- Quer andar em cima de mim de novo?
- ...
- Vai, diga. Eu sei que quer, vai, só falar.
- Quero.
- Então venha. Descalço.

quarta-feira, 10 de março de 2010

O beijo por trás do arbusto


Eu jogo o jogo da velha.
O macaco pula em seu galho.
Oh! O que será do capitão?
O que será do navio de madeira?
Esburacado pelas bolas de canhão na batalha dos sete mares!
Oh! O que será da baleia azul sem o capitão?

Eu jogo o jogo da velha.
O macaco cai do galho.
O capitão afunda com seu navio.
A baleia azul chora sem seu capitão.

Eu perco o jogo da velha.
O macaco quebra o pescoço, seu corpo é devorado pelas larvas.
Fin.
Fin?

Sim, Fin.
Por que?
Porque o que?
Por que "Fin"?

Não pode?
Não to dizendo que não pode. Só estou curioso.
Não posso escrever?
Claro que pode, mas só to curioso. Fin. Fin! Não faz sentido!
Você é que não faz sentido!

Vai toma no cu!
Vai você!
Não! Vai você!
Ah! Ha ha! "Vai você", pfff! Muito adulto da sua parte. Papagaio.
Vai se fuder!
Enfia o "Fin" na bunda!

Vai chupar pinto!
Vai você!
Ha! Viu? Quem é o adulto agora?
Quer brigar é? Imbecil. Toma no cu!
Que foi que eu fiz pra você?
Chega vai. Imbecil.

Vai toma no cu!
De novo?
Foda-se! Repito quantas vezes quiser!
To saindo fora. Foda-se!
Vai, vai embora. Cuzão.
Vai toma no cu.

Ou! Liga depois no celular. Preciso te contar sobre aquele lance lá.
Beleza, é o mesmo número? Nove, nove, três, dois...
Isso.
Tá, pode deixar. Falou.
Falou.
Falou.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Vida Noir - Parte 2

Acordei com dor de cabeça e com um terrível hálito de cerveja. Escovei os dentes antes de cair na cama mas mesmo assim meu estômago disse "Dane-se!", e poluiu minha boca com o hálito do passado. Não lembro o tempo exato de ter chegado em casa e nem da hora que abri os olhos pela primeia vez depois de algumas horas mal dormidas. A única coisa que eu sei é a vontade de dar um tiro no joelho pra esquecer dessa dor de cabeça que me atormenta mais que tudo.

Fecho os olhos novamente pra ver se consigo dormir mais um pouco, mas tudo o que faço é pensar na merda de noite que passei. Deus! Porque eu saio? Não lembro como era sair pra se divertir. Não sei mais o que é isso. Malditas expectativas! Eu culpo as expectativas por tudo! Quer saber? Foda-se a diversão! Eu culpo a diversão! Eu culpo a ressaca e as bebidas! Eu culpo os fumantes e os não-fumantes! Eu culpo as baladas e culpo os badaladeiros! Eu culpo quem prefere os babacas! Eu culpo quem vomita no meu sapato! Eu culpo quem vomita no próprio sapato! Eu culpo quem produz músicas ruíns e culpo quem escuta! Eu culpo os sanduíches ruíns! Eu culpo quem come! Eu culpo quem come de menos! Eu culpo quem come demais, engorda e se culpa depois por ter exagerado! Eu culpo os exagerados! Eu culpo quem come demais, não engorda e fica magoado por não engordar! Eu culpo os chorões! Eu culpo o desprezo! Eu culpo os exercícios físicos! Eu culpo quem faz exercícios físicos! Eu culpo quem trabalha com educação física! Eu culpo a educação! Eu culpo a TV! Eu culpo o rádio! Eu culpo o tempo! Eu culpo o socialismo, o anarquismo e o comunismo! Eu culpo o patriotismo! Eu culpo a bandeira! Eu culpo as cores! Eu culpo os daltônicos! Eu culpo as lentes de contato! Eu culpo os deficientes físicos! Eu culpo os carros! Eu culpo a natureza! Eu culpo a língua portuguesa! Eu culpo os dentes! Eu culpo o estômago! Eu culpo o hálito! Eu culpo a dor de cabeça e as aspirinas! Eu culpo a Pfizer! Eu culpo a Terra! Eu culpo Marte! Eu culpo porque não estamos morremos ainda em Marte! Eu culpo as pessoas que acreditam que o homem pisou na Lua quando Richard Nixon estava na presidência! Eu culpo os alieníginas! Eu culpo as conspirações! Eu culpo Dan Brown! Eu culpo Leonardo Da Vinci! Eu culpo a Arte! Eu culpo o calor e a camada de ozônio! Eu culpo as consequências e as causas do aquecimento global! Eu culpo Al Gore! Foda-se! Eu culpo quem se ofende! Foda-se! Eu culpo o senso de humor! Eu culpo quem tem reputação! Eu culpo os tarados e pervertidos! Eu culpo as vítimas! Eu culpo o corpo! Eu culpo as bolas! Eu culpo o pau! Eu culpo a vagina! Eu culpo o útero! Eu culpo o orgasmo e o unicórnio! Eu culpo os bebês! Eu culpo a religião! Eu culpo as vacinas! Foda-se! Eu culpo atitudes! Eu culpo o lado pessoal! Eu sou anti-social! Foda-se! Eu culpo o socialismo... já disse isso? Foda-se! Eu culpo a revolta! Eu culpo a história! Eu culpo as causas! Eu culpo o palanque! Eu culpo as faixas! Eu culpo a democracia! Eu culpo a propaganda! Eu culpo quem diz ser exceção e não é! Eu culpo a não-exceção! Eu culpo as maçãs podres do mesmo maldito saco! Eu culpo os balões coloridos com sorrisos! Foda-se os sorrisos de plástico! Eu culpo aqueles que se acham infelizes o dia inteiro! Foda-se! Eu culpo os suicídas! Foda-se a morte! Eu culpo a morte! Eu culpo o túmulo! Eu culpo os hospitais, creches, delegacias e a Casa do Pão de Queijo! Eu culpo o que existe! Eu culpo o que não temos e o que nunca teremos! Eu culpo o que já tive e o que nunca terei de novo!

Quer saber pra que eu saio?
Só pra ver você dançar.