terça-feira, 10 de agosto de 2010

Tempos modernos: não é uma loja de pesca

- Bom dia. Em que posso ajudá-lo, senhor?
- Bom dia. Estou procurando por uma vara de carbono.
- Desculpe senhor. Nós não vendemos isso aqui.
- Estão em falta?
- Não. Só não vendemos varas.
- Isso é uma loja de pesca, né?
- Não senhor. Nós só vendemos peixe.
- Peixe?
- Peixe. Todos os tipos. Está interessado em algum?
- Eu não quero comprar peixe. Eu vim pra essa cidade pra pescar.
- Mas isso é tolice.
- Tolice? E o que você faz aqui é o que então?
- Nós vendemos peixe. Poupa o tempo de quem vem pra cidade.
- E qual a razão de alguém querer comprar peixe numa loja de pesca?
- É aí que o senhor se engana. Nós não somos uma loja de pesca. Nós vendemos peixe. Praticidade é tudo, esse é o nosso lema. Só não registramos ele ainda.
- Isso é que é uma tolice! Como vocês pescam os peixes?
- Desculpe senhor, isso é um segredo da loja.
- Alguém precisa pescar os peixes! Eu não conheço outro método além de usar uma vara.
- Você tem alguma coisa que é bom e as pessoas te admiram por isso?
- Bem, sim, tenho.
- E no que o senhor é bom?
- Ahm... Sou bom em...
- Vamos lá, não seja tímido.
- Ta bom, eu sou bom em tocar flauta enquanto ando de bicicleta.
- Que impressionante senhor. Isso é muito impressionante.
- Ora, obrigado.
- E você conta para as pessoas como você faz?
- Não. Nem sei se preciso. É só ver. Deve ser um dom, acho.
- Exatamente senhor. É o que fazemos aqui. Não queremos contar pras pessoas como funciona o nosso método. É só um dom.
- Acho que você ta certo.
- Então, você gostaria de um peixe?
- Eu gostaria de uma linha.
- Nós não vendemos linha.
- Imaginei.
- Vendemos peixe a preço de banana. Seja de água salgada ou doce.
- Quanto sai a carpa?
- Temos muitas carpas de tamanhos e cores diferentes. A mais barata sai por trezentos.
- Trezentos? Trezentos reais?
- Sim, reais. A última vez que verifiquei não moramos na Alemanha.
- Trezentos reais por uma carpa? E quanto ela pesa pra custar tudo isso?
- Ela é gorda.
- Gorda não é um peso.
- Já segurou algo tão gordo que você falou "Isso é pesado"?
- Já...
- Então?
- Mas isso é... Olha, esqueça! Eu não vou pagar trezentos reais por um peixe! Eu nunca vi uma banana ser tão cara assim também! Preço de banana... Ridículo! Vou denunciar vocês pra autoridade local.
- E por qual motivo você faria isso, senhor?
- Isso tudo é uma mentira! Sua loja é uma mentira!
- Não, não é. Antes de você entrar pela porta você não leu o que estava pendurado?
- Li...
- E o que dizia na placa?
- "Não é uma mentira".
- Fico feliz que tenha uma boa memória, senhor.
- É, você me pegou de novo.
- Você me parece um ótimo sujeito, que tal levar uma latinha de minhocas de recordação?
- E pra que eu levaria isso? É nojento.
- Ora, ora, ora, não tinha a necessidade de dizer tal coisa.
- Me desculpa...
- Você não gosta de pescar?
- Adoro. Mas jamais usaria minhocas!
- Ah não? E o que você recomenda?
- O que todo mundo usa, anzol!
- Hum, não me parece muito seguro.
- E desde quando pescar com minhocas funciona?
- Como você sabe que não funciona? Já testou?
- Isso é pura coisa de desenho animado.
- Eu tenho uma loja, não tenho?
- Tem... Espere, quer dizer que...
- Ups! Segredo revelado. Ha ha ha!
- Você usa minhoca pra pescar seus peixes?
- Não reconheço esse termo.
- Que termo?
- Que você falou.
- Pescar?
- Usa.
- Todos da cidade são como você?
- Agora que você sabe o segredo, espero que a cidade e o resto do mundo não precisa saber como meu negócio funciona.
- Eu não vim de fora pra falir o seu negócio.
- Parece que conquistei um novo freguês.
- Eu não diria isso.
- Posso perguntar uma coisa?
- Sobre?
- Posso ver você tocando flauta?
- Ahm... Se você tiver uma aí atrás do balcão.
- Se tenho? Você trouxe sua bicicleta?
- Se trouxe? Ha ha ha! Vamos lá pegar no meu carro!