segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Tempos Modernos: Terapia

- Acho que estamos no silêncio faz uns cinco minutos.
- Você acabou de chegar. Isso foi há trinta segundos.
- É, eu não sou muito bom nisso.
- Bom no quê?
- Nisso, falar coisas.
- Você não precisa ser bom nisso. Só estamos aqui pra conversa. O começo é assim, você irá falar e eu irei ouvir.
- Então se prepara para mais silêncio. Já se preparou pra isso? Pra não ouvir nada? Aposto que não. Ninguém se prepara pra coisas que não estavam esperando.
- Vou pedir pra você fazer um experimento. Quero que pense em coisas que não gostaria de falar...
- Pra quê? Pra conversarmos a respeito?
- Não, nada disso. Quero que pense numa lista de assuntos que não gostaria de discutir comigo. Pelo menos não nessa primeira sessão.
- Deixa ver, tem tantas coisas que eu odeio...
- Não são coisas que você odeia. São coisas que você não se sente a vontade em discutir comigo. Pense nelas, daí me fale uma que gostaria de conversar. Pode ser qualquer coisa.
- É pra eu pensar numa coisa e substituir por uma melhor?
- Correto.
- Isso pode levar um tempo.
- Tudo bem. Relaxe e pense.

...

- Eu não consigo! É muita pressão.
- Não tem pressão alguma.
- Claro que tem! Você ta esperando eu começar algo! É muita pressão pensar numa lista de coisas e substituir por outras! Não consigo. Eu iria acabar escolhendo coisas que nem vai interessar você.
- Como sabe que não vão me interessar?
- É essa a natureza da minha vida, doutora. Eu estarei fazendo coisas que não quero fazer só pra deixar você satisfeita. Não que isso seja ruim...
- Gostaria de lembra-lo que você veio a mim. Você veio ao meu escritório em busca de diálogo.
- Que seja. No final vou acabar em casa me satisfazendo com meu diálogo interno.
- Quem determina o que falar e qual assunto começar vai de cada um. É por isso que todo o indivíduo separa amigos de família, família de colegas de trabalho, paciente de médicos e assim vai.
- Eu sei disso.
- Então vamos começar pelo básico. Como é a relação com a família? Ou este é um assunto que não gostaria de abordar?
- Disso não me importo de falar. Gosto da minha família, com eles me do bem.
- E amigos? Você conversa bastante com seus amigos? Pra onde vocês saem?
- Eu não tenho amigos, doutora.
- Não tem amigos? Como determinou isso?
- Conhecidos? Talvez. Amigos? Não, acho que não. A não ser que chamar as pessoas que curtem as minhas publicações do Facebook ou os caras da minha lista da LIVE de amigos, então sim. Com eles me do bem.
- LIVE...?
- Xbox LIVE, videogame e tal. Você conversa online, joga em grupo, conversa no microfone e com um fone de ouvido.
- Mas você conhece eles pessoalmente?
- Não.
- Não tem interesse de conhecer pessoas do mesmo interesse?
- Eles são um bando de caras que jogam. Cada um tem sua vida. Família, filhos, estudos. Nada mais importa, só gostamos de jogar juntos.
- Sei que você trabalha e vê pessoas todos os dias, mas não acredito que não tenha amigos. Ou que não tenha se relacionado com alguém. Para mim nunca foi problema identificar quem já teve relações sexuais.
- Bem, não quero me gabar.
- Então me conte.
- Sobre minhas relações sexuais?
- Não, sobre a sua relação com as pessoas. A vida social, a vida física.
- Poderia ser mais especifica? Quer saber quantas pessoa eu conheço pessoalmente? Esse tipo de dados eu tenho fácil.
- Não me diga que você é uma daquelas pessoas que vivem dizendo que tem mais gente desconhecida do que conhecidas na lista da internet.
- Por incrível que pareça eu tenho mais gente conhecida. Mas... Eu não sei. O outro time é sempre mais compreensivo, saca? O time dos não conhecidos fisicamente?
- Explique esse time.
- Eu gosto de algumas pessoas, as que conheço pessoalmente, mas não consigo ver muita empolgação delas em retorno, entende? São pessoas que sabem que eu não sou divertido para elas.
- Mas isso vai da química que você tem com a pessoa. Química é algo fundamental numa relação entre seres humanos.
- Em parte! Em parte! Olha, não é difícil de entender que sou uma pessoa chata.
- Mas se você se considera chato, o que você esperava delas?
- Eu espero que elas sejam mais compreensivas! Olha, eu sou um chato que gosta de coisas boas, de coisas legais. Isso é arrogância? A minha chatice é o que existe de bom no mundo. Eu acho a minha chatice fundamental.
- Não acha arrogância se considerar mais legal que os outros?
- Eu me considero arrogante por ser chato, mas chato do melhor tipo. Ahá! Agora eu sei onde você queria chegar com esse experimento todo!
- Eu não esperava chegar a lugar algum.
- Mulheres! Sempre mulheres. Todos os caminhos levam às mulheres.
- Que mulher gosta de cara chato?
- Algumas gostam, só não sentem falta deles.
- Que mulher sentiria falta de um cara chato?
- Eu me relacionei com algumas mulheres que diziam gostar de caras assim. Mas quando do o pé na bunda nelas, elas levam numa boa! Claro que elas não saem concordando de imediato, neutras por terem acabado. Elas só não correm atrás, entende?
- Então você quer garotas correndo atrás de você depois de ter terminado?
- É claro! Que tipo de pessoa não gostaria disso? Homem ou mulher, que pessoa não quer alguém correndo atrás de você pedindo bis ou perdão? É um prazer do inconsciente! Você é formada nisso, entende dessas coisas.
- É fato de que o Homem tem o desejo de se sentir importante pelo menos uma vez na vida. Desejado, amado, interessado, saber que alguém gosta de você é algo que nos motiva. Infelizmente alguns sofrem pela ausência desse sentimento e chegam a cometer violência contra si ou até contra os outros. E este não é o seu caso.
- Eu jamais cometeria uma violência contra o outro, a não ser que exista um prazer entre os dois. Fazer o quê? Sou doente doutora, e agora?
- Você não é doente.
- Sabe quando vocês mulheres dizem foda-se pra um cara que estava ficando, dizem que a fila anda e blá blá blá, mas no fundo não esquece dele? Então, isso nunca foi para mim. Comigo elas esquecem como uma caixa de sapato. E olha que eu gosto de caixas de sapato. Quando era criança costumava fazer delas bases militares pros meus bonequinhos.
- Se você acha que generalizar a mulher assim é fácil, então não entende nada sobre elas.
- Então você deveria ver as nenhuma mensagens no meu celular, as zeradas chamadas perdidas, os emails dramáticos jamais recebidos das mulheres que nunca correram atrás depois de um pé na bunda.
- Não acredito que não se lembre de algo que contradiz o que está me dizendo agora.
- Acho que eu só ficaria feliz se soubesse que alguém se matou por minha causa.
- Meio extremo, não acha?
- É esse tipo de coisa que diferenciam as coisas. Extremos, doutora. Extremos! Já me dei bem com algumas pessoas por causa disso. Por coisas que os outros consideram inapropriadas. Como um peido durante o sexo. Isso me faz rir. Gases, doutora. Gases!
- Muito bem então, senhor extremista. Fora o suicídio, o que mais você busca numa mulher?
- Eu busco uma mulher cansada. Aquela que volta pra casa depois do trabalho ou dos estudos e dorme. Ou que toma banho, toma um café, vai ler um livro e dorme. Ela pode ter amigos sim, mas que não ficam fazendo visitas. Relação boa é assim, não sair do quarto nos finais de semana, somente pra comprar cerveja e comida caso não tenha mais nada na geladeira. Ta anotando tudo? Quero ver possíveis candidatas até amanha de manhã. Que mais? Eu não sei, tem mais coisa, mas não me sinto bem falando disso assim. Logo no primeiro encontro. Meio evasivo.

- Devo informar que é justamente neste ponto que preciso pará-lo. Nosso primeiro encontrou chegou ao fim.
- Já? Assim, tão depressa?
- O tempo passa quando o silêncio não determina o dia. Mesmo horário semana que vem?
- Com todo o respeito doutora, se você não tiver jogos de tabuleiro no seu escritório, não vejo razão pra eu estar de volta. Já falei tudo o que tinha que falar. Minha vida não consegue ser mais longa do que uma hora.
- Então foi uma hora bem produtiva. Infelizmente não cabe a mim decidir as suas vindas. Só espero que leve em conta o meu desejo de tê-lo novamente no meu divã.
- Isso foi um sinal ou...? Ok, deixa pra lá. Tenha um bom dia, doutora.