segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Vida Noir

Estou andando por essas ruas faz horas. Não sei dizer se vai chover de novo, só sei que esta noite não poderia ficar pior. Estou apaixonado pela garota errada, aquela do tipo que nunca iria se apaixonar por você. Ela apareceu onde trabalho faz meses querendo saber a razão da vida ser tão injusta e do porquê dos seus ex-namorados a tratarem como uma simples peça de mobília. Eu sei que seria diferente com ela, não consigo tratar uma garota como lixo... principalmente uma garota como ela. Faz um bom tempo que estou tentando lembrar a cor daqueles olhos, mas não consigo pois estava bêbado demais pra memorizar. Que patético!

Eu sinto uma estranha sensação de perseguição, me viro rapidamente sacando minha arma apontando pro... nada. Tudo escuro. Eu sei que não é a bebida que me faz sentir esta sensação, mas é ela que me faz ter culhões pra virar e conferir se estou mesmo sendo seguido. Que idiota paranóico!

Qual era mesmo o nome dela? Começava com M... G... D? Dane-se! É por causa dela que estou segurando essa garrafa de whisky barato, e é por causa dele que não tiro os dedos do gatilho da minha arma que nem sei se está carregada. Eu olho pra conferir. Sim, está carregada. Uma bala que só Deus sabe pra qual cabeça servirá de casa.

Começou a chover de novo. Sorte que estou com o meu chapéu, não queria estragar este corte de cabelo que me custou uma fortuna. A garrafa custou mais barato que esse corte. Engraçado como querem que nos deixem morrer por algo tão barato sendo que pra se manter limpo e bonito você precisa pagar com sua própria alma! Abençoe o álcool e o cigarro por me trazerem a morte na maneira mais econômica.

A chuva está ficando mais densa e o meu casaco não fecha. Maldito casaco sem botões... O que foi isso? Eu ouvi algo atrás de mim de novo. É melhor ficar esperto, essa parte da cidade não é pra piqueniques. Eu ouço passos... passos delicados e rápidos, passos que lembra o som de salto alto batendo em concreto. O barulho da chuva está interferindo no meu raciocínio e meus dedos molhados estão tentando segurar firme a minha arma. O som está mais perto. Eu viro e atiro!

Silêncio. Presto só atenção na chuva e na fumaça saindo do cano do revólver que aponta para a escuridão. Agilizo o passo continuando meu caminho até o escritório. Tiro a chave do bolso deixando cair um papel manchado com batom e um nome escrito. Eu consigo pegar o papel antes da chuva borrar toda a tinta. Sim, estava certo, o nome dela começa com D mas não consigo ler o resto. Agora me lembro o que aconteceu naquela noite de fevereiro. Sim, eu me lembro. Ela entrou no meu escritório completamente séria, independente, naquele momento percebi o quanto ela poderia fazer tudo o que quisesse comigo. Eu era um cachorrinho perto daquela deslumbrante mulher. Cabelo longo, luvas roxas de seda e aquele batom que deixava seus lábios mais carnudos e avermelhados. Era sem dúvida a garota mais linda que já vi em toda a minha vida. Por um momento achei que estivesse sendo controlado pela sua força de mulher independente, mas não durou nem dois minutos pra ela começar a chorar e eu me sentir o ser dominante da sala mais uma vez. Tive que consolá-la, tive que fazer algo e o que foi que eu fiz? Nada. Nada! Simplesmente nada! Fui um imbecil sem coração. Dei um lenço pra enchugar as lágrimas e nada mais. Foi daí que essa garota de rostinho angelical explicou tudo, ela se sentia sozinha fazia um ano e que não encontrava nenhum homem que a tratasse com dignidade. Ela estava com dúvidas do seu namorado, achava que ele estava traindo com uma piranha qualquer. Que pena. Se sentindo sozinha mesmo comprometida, eu realmente senti muita pena dela por isso.

Entro no meu escritório e vejo a mesa da minha ex-secretária que eu costumava espiar enquanto ela batia naquela máquina irritante de escrever. Belas pernas. Ela era uma garota que estava sempre certa a meu respeito. Dizia que eu era um caso perdido, costumava brigar pra eu entrar na "linha" e repetia várias vezes pra parar de beber tanto. Dizia sempre que poderia resolver os casos quarenta e oito horas com antecedência se não fosse pelo álcool. É... talvez ela tinha mesmo razão. Na verdade ela sempre teve razão. Não é a toa que hoje estou sozinho e não ouço notícias dela depois que se mudou pro outro lado da cidade. Devo ter mesmo assustado a pequena, pobrezinha.

Aonde estava? Ah sim, na garota de letra D. Quem era ela? Pra onde ela foi? Lembro quando você veio até essa sala semanas depois com o mesmo batom nos lábios chorando pois sabia da verdade. Sinto que me pagou a toa o serviço, o namorado terminou com ela pra ficar com a amante. Cretino! Como teve a coragem de fazer isso com essa mulher? Como pode haver tantos homens inúteis nesse mundo enquanto que caras como eu bebem e saem na chuva com um revólver na mão? Eu não entendo esse mundo sujo. Essas mulheres precisam de caras bastardos enquanto que os bons precisam de mulheres que gostam dos bastardos pra se manterem na vida. Eu ganho com isso, este é o meu trabalho e eu detesto!

Já faz dois meses que não vejo aqueles olhos brilhantes e aquele rebolado quando saia pela porta. Já faz dois meses que guardo esse papel e agora sei que a culpa não era da chuva por tentar borrar a tinta, mas sim a minha idiotice por não querer saber o nome dela e procurá-la pra dizer que a trataria com um pouco de dignidade. Mas não! Não é isso que elas querem afinal. Não é isso que nenhuma mulher quer, se fosse elas não ficariam com caras que a tratassem feito objeto. Agora percebo que sou o maior lixo de todos esses homens! Estou sozinho no escuro bebendo os últimos goles dessa garrafa com uma arma na mesa. Será que o destino me colocou aqui? Minha vida não poderia ser pior, tenho um grande vazio sem nada pra tampar. Ela me pagou o triplo que os meus outros clientes chegaram a pagar. Hoje eu sou um nada, moro neste buraco imundo e meu café da manhã é uma dose de whisky. Estou falido já faz uma semana e sou motivo de piada até para os ratos que moram no meu guarda-roupa. Sorte que o prefeito não conhece mais a existência deste bairro, um bairro abrigado por mendigos, ladrões, traficantes e prostitutas. Depois que você desapareceu da minha vida este lugar nunca mais foi o mesmo. Seu perfume não ronda mais a minha sala, graças a você eu nunca mais fui o mesmo pois descobri a capacidade que tenho pra me apaixonar por outro ser humano.

Eu jogo o papel amassado na mesa e decido colocar um fim nisso tudo. Pego a arma e encosto na minha cabeça. Aperto o gatilho e tudo que escuto é um miserável "click". Droga! Sem bala. Onde estava com a cabeça? Eu atirei no maldito escuro, no escuro! Gastei uma bala que poderia estar no meu cérebro. Perfeito! Imbecil cabeça dura, pra piorar a garrafa está vazia. Estou sem comida, molhado e ainda sóbrio. Claro que isso depende do que você considera sóbrio.

Talvez o destino seja esse, me manter vivo pra ir até você. É a oportunidade que jamais imaginaria ter. Eu acho que consigo continuar vivendo com isso.

4 comentários:

Camila A. disse...

Muito bom. Muito bom mesmo, Gosto de leitura assim, sem surrealismos.

ISA disse...

Achei triste...

Meia Água disse...

Gostei bastante! Boa história! Bem escrito e sem nenhum ''caralho!'' do jeito que os alternativos pós-modernos gostam tanto de escrever.
(embora eu também goste do(s) seu(s) ''caralho!'')

Carolina disse...

Tony, esse texto não é você...